sexta-feira, 21 de abril de 2017

A espiritualidade e vivência da morte: Revendo Tabus

Iara Fagundes

        Desde tempos muito remotos o homem tenta entender o processo da morte e as possibilidades de uma vida pós-morte. Ainda hoje muitas pessoas se questionam sobre a possibilidade da existência de uma vida além desse tempo que conhecemos. A religiosidade tem tentado nos dizer que há uma continuidade após a morte e que a vida não termina com a morte do nosso corpo. Frente a essa realidade nos questionamos se a espiritualidade tem contribuído para o enfrentamento da perda de um familiar.
A cultura e a sociedade contemporânea são marcadas pela ambiguidade. Na mesma época, em que temos grandes avanços na área biomédica, que nos fazem crer na possibilidade de uma vida longa, em contra partida, temos encontrado também o mais cruel descaso com a vida humana.
A Tanatologia, a Psicologia da Morte e a Espiritualidade, serão abordadas de forma a possibilitar uma melhor compreensão sobre a sua evolução histórica, descrevendo os estágios do processo de enfrentamento da morte. Para a compreensão dos estágios do luto e as percepções das pessoas que enfrentam a perda de um familiar, busca-se investigar se a espiritualização pode diminuir a dor e ajudar no enfrentamento do processo de luto.
O fascínio que nos provoca o limite entre a vida e morte, emerge agora com renovado interesse, saindo finalmente do âmbito da tradição e dos costumes, para o patamar do saber científico, mas necessitando ainda romper tabus, sendo este um dos motivos pelo qual se busca este tema, por sentir a necessidade de se conhecer mais, e perceber, no dia-a-dia, a dificuldade do ser humano em abordá-lo. Para que isso ocorra se faz necessário que se fale abertamente, sem nenhum tipo de restrição, sobre nossas perdas.

Morte
 Existem vários conceitos sobre morte ao longo da história da humanidade, mas mantém o atributo da irreversibilidade, morte, óbito, passamento, desencarne. Na biologia e na medicina o conceito mais utilizado é o que se refere ao processo irreversível do cessamento das atividades biológicas necessárias a caracterização e manutenção à vida.
A visão sobre o conceito de morte para alguns nada mais é que o fim de tudo, ou seja o nada, mas para os espiritualizados a morte nada mais é que o fim do corpo físico, que algo mais transcende (espírito, alma, energia, etc...), creem que algo mais existe, e que este não morre com o corpo físico, fazem parte deste grupo algumas religiões. Num momento em que várias temáticas consideradas tabus começam a ser encaradas e desfragmentadas no tecido social, a morte assume-se ainda nos nossos dias como um tema que a sociedade continua a ignorar.
O tema da morte não é de forma alguma uma discussão atual. Foram muitos os filósofos, historiadores, sociólogos, biólogos, antropólogos e psicólogos a discutir o assunto no decorrer da História. Isto porque a morte não faz parte de uma categoria específica; é uma questão que atravessa a história, é sobretudo uma questão essencialmente humana (Fischer, 2007).

Fases do processos de morrer
 As fases são os estágios que  a psiquiatra suíça, radicada nos Estados Unidos, Elizabeth Kübler-Ross, definiu após seus estudos com doentes terminais e ao coletar dados importantes por meio de seminários de discussão sobre a experiência de luto e de morte, e acabou sistematizando numa escala de estágios de relação à morte  pelo qual todos passavam e esta escala se tornou bastante popular na psicologia e depois no senso comum. (Fischer, 2007).
Segundo Elisabeth Kübler Ross, o processo de perdas que todas as pessoas que sofrem ou que têm a possibilidade de sofrer (morte de ente querido, diagnóstico de doença, falência, traição, punição criminal, etc.) passam por um processo de luto, para poder elaborar e lidar com essa situação. Ela pesquisou e trabalhou com esse tema e descreveu cinco fases desse processo de luto:
A primeira das fases é a negação. Nessa fase a pessoa nega a existência do problema ou situação. Não quer acreditar nas informações que recebe, tentando racionalizar o processo, tipo “tudo vai se resolver, isso também vai passar...” Ou simplesmente ignorar o problema. Pode também tentar negar, “ Isso não é verdade!”.
A segunda fase  é a da raiva, a revolta projetada para o mundo externo, Deus é o culpado ou os outros, a pessoa sente-se inconformada e vê situação como uma injustiça. Vem o tipo de pensamento: “Por que eu?”,  “Isso não é justo!” .
O terceiro estágio de reação à perda, é a barganha, as pessoas buscam firmar acordos com figuras que segundo suas crenças teriam poder de intervenção sobre a situação de perda, é uma tentativa, de negociar ou adiar os temores diante da situação.
A depressão é o quarto estágio,  um sofrimento profundo ocorre nessa fase, é o momento em que a aceitação está mais próxima, é quando as pessoas ficam quietas, repensando e processando o que a vida fez com elas e o que elas fizeram da vida delas. Não deixa de ser um momento de reflexão, evidentemente, trata-se de uma atitude evolutiva; negar não adiantou agredir e se revoltar também não, fazer barganhas não resolveu. Surge então um sentimento de grande perda.
Aceitação é uma das últimas fases, a pessoa já não experimenta o desespero e não nega sua realidade.  Não há mais depressão ou raiva, mas uma contemplação do fim próximo com um certo grau de tranquila expectativa, e a compreensão de que a vida chegou ao fim. Nem todos os pacientes passam sequencialmente por todas estas fases, Kübler-Ross (2012).
Todas as pessoas que sofrem algum tipo de perda ou que têm a possibilidade de sofrer passam por um processo de luto, para poder elaborar e lidar com essa situação. As pessoas não passam por essas fases de maneira linear, podem estacionar em uma delas, sem ter avanços por longo período ou ainda suplantar todas as fases rapidamente até a aceitação. Não há regra. Kübler-Ross (2012).

Por que falar da morte é tão difícil?
Por a morte ter sido sempre um assunto sagrado nas mais variadas culturas e por esse fator sagrado tudo o que é sacro inspira fascínio e medo, instaurando tabus que são promovidos através de rituais e tradições.  Faz-se estranho o fato de a subjetividade moderna, marcada pelo racionalismo e o universalismo, não tenha conseguido se apropriar da questão da morte, felizmente a excluiu do signo de fracasso dos poderes  humanos. Somente a partir dos anos de 1960, é que os pioneiros da humanização da saúde sentiram a necessidade de repensar o tema da saúde ao dar acolhimento às angústias envolvidas na elaboração dos lutos, ponto este que levou à criação e consolidação do campo da Psicologia da Morte e da Tanatologia, (Fischer,  2007).
Uma vez que a morte e o morrer constituem-se como temas complexos, influenciando todas as dimensões humanas, é importante um debruçar complementar da Psicologia sobre os aspetos e impactos psicológicos da mesma no individuo, uma vez que fenômenos como o luto, a solidão e determinadas doenças, encontram não poucas vezes alguma configuração que sublinha um posicionamento perante a morte e o morrer, uma vez que lhes subjaz de alguma forma uma experiência de perda. Este posicionamento perante a morte e o morrer leva, inevitavelmente, a uma consideração sobre a importância da educação para a morte, (Barros, 1998).
Psicologia da morte e tanatologia
A Psicologia da Morte é uma área de aplicação e de estudos em psicologia voltada para as questões envolvidas na morte como etapa do ciclo vital do desenvolvimento humano e para os processos psíquicos de elaboração dos lutos em nível individual e social, é uma subárea da Tanatologia (SOTAMIG, 2010).
Tanatologia de origem grega que se dá na junção dos radicais  Thanatos  e Logos. Thanatos na mitologia grega era uma entidade masculina, que representava a morte, considerado filho da noite e  irmão do sono, costumeiramente representada com asas, tendo na mão uma foice e uma urna. No dicionário Michaelis significa teoria ou estudo científico sobre a morte, suas causas e fenômenos a ela ligados (Michaelis, 2012)
O objetivo geral da Tanatologia como ciência se encarrega de estudar os processos do morrer, do luto, evidenciando a dicotomia vida e morte, bem como o momento da morte, aborda particularidades do processo de morrer, auxiliar na compreensão do processo de morrer, identificando e avaliando a dor psíquica e as dificuldades impostas pela morte. (Fischer,  2007).
A Tanatologia iniciou-se como um ramo da medicina (tanatologia forense), onde estudava a morte e suas consequências, com o tempo foi se tornando um campo mais interdisciplinar, incluindo outros aspectos além dos métodos e concepções da medicina tradicional. A área teve como um dos seus pioneiros o médico canadense William Osler. Começou a ganhar espaço no Brasil na década de 80, quando começaram a surgir textos e a prática a ganhar adeptos e evidência, derivado do trabalho  da crescente  área da psicologia hospitalar e da saúde. (Fischer,  2007). Hoje a tanatologia estuda a representação da morte no psiquismo humano e as perdas diárias, isto é, as pequenas mortes, para que enfim, o homem entenda o que é chamado de “a perda maior” (SOTAMIG, 2007).

Espiritualidade
A espiritualidade proporciona possibilidades de significação e respostas às perguntas existenciais que se colocam diante da doença e possibilidade de morte. No entanto, ajudar pacientes e familiares a encontrar significados para suas experiências ainda se coloca como um desafio para os profissionais de saúde. Isso se deve, principalmente, porque os profissionais se sentem despreparados para lidar com as crenças religiosas e espirituais dos pacientes e familiares e, além disso, por existirem poucos estudos que abordam este tema na literatura científica. (Bousso, 2011).

Espiritualidade X Religiosidade
Espiritualidade e religiosidade são termos que se confundem nos seus conceitos, havendo ainda muitos debates sobre as suas definições. Segundo Sissy Fontes (2013), expert em espiritualidade e medicina na Unifesp, a espiritualidade é a busca pessoal para entender questões como o sentido da vida e as relações com o sagrado e o transcendente. E isso pode ou não depender de práticas religiosas, salienta que a religiosidade leva em conta seguir uma doutrina e  a frequência com que se reza e se participa de rituais, independente de ser em um templo ou em casa. (Fontes, 2013).
Religião é o sistema organizado de crenças, práticas, ri­tuais e símbolos designados para facilitar o acesso ao sa­grado, ao transcendente (Deus, força maior, verdade su­prema ...), ao passo que a espiritualidade é uma busca pessoal para entender ques­tões relacionadas ao fim da vida, ao seu sentido, sobre as relações com o sagrado ou transcendente que, pode ou não, levar ao desenvolvimento de práticas religiosas ou formações de comunidades religiosas. (Lucchetti, 2010).

Espiritualidade e Neurociências
A ciência já decifrou certos efeitos fisiológicos da espiritualidade, pesquisas nesta área comprovam que pessoas que creem em algo maior tendem a apresentar cargas extra de neurotransmissores que responde pelo bem-estar  e uma visão otimista, por sua vez alavanca a imunidade. Segundo Castro, Jurandy (2014), o sistema imunológico tem potencializada a ação das células de defesa, reduzindo o risco de doenças por diminuição de moléculas inflamatórias, processo que interfere no código genético, desacelerando o processo de encurtamento do telômeros (as extremidades dos cromossomos), que levam ao envelhecimento.  (Sponchiat, Manarine, Ruprecht, 2013).
A relação com o transcendente traz conforto e confiança face ao processo do morrer e também do luto, tanto quanto outras perdas. O efeito antidepressivo  da fé ou espiritualidade, por mudar a visão de mundo e facilitar a busca por equilíbrio nos momentos difíceis se torna objeto de interesse por parte dos cientistas.  O psiquiatra Alexander Moreira-Almeida, (2010) da Universidade Federal de Juiz de Fora, Minas Gerais, comprovou sua tese, estudando dois mil sujeitos numa cidade de São Paulo, segundo ele, a religiosidade pode interferir, entre outras coisas, na ativação de alguns sistemas cerebrais, como os de seretonina e dopamina, neurotransmissores associados ao bem-estar. Em um outro estudo realizado na Columbia, nos Estados Unidos com filhos de pais deprimidos, aos dez anos e depois aos vinte anos, descobriu que os jovens espiritualizados se tornaram adultos mais protegidos contra a tristeza profunda e uma menor probabilidade de desenvolver o problema, num índice dez vezes maior em relação aos não espiritualizados, havendo ainda indícios que a porção frontal do cérebro que reponde pela nossa capacidade de controle, também seja favorecido, (Moreira, 2010)

Fontes

Bousso, Regina Szylit .Rev. esc. enferm. Crenças religiosas, doença e morte: perspectiva da família na experiência de doença. USP vol.45 no.2 São Paulo Apr. 2011

Sponchiat, Diogo. Manarine, Thaís. Ruprecht, Theo.  Revista “Saúde é Vital”  -  Ed. Abril.   p. 26-31, Dezembro 2013
Fischer, Joyce Mara Kolinski. Manual de Tanatologia - Curitiba : Gráfica e Editora Unificado, 2007. crppr.org.br/download/159.pdf‎
Koenig, Harold G. Medicina, religião e saúde: o encontro da ciência e da espiritualidade; Trad. Iuri Abreu. Porto Alegre, RS: L&PM, 2012.
Kübler-Ross, Elizabeth. “Sobre a morte e o morrer”. 9ª edição, 3ª tiragem. Ed. WMF Martins Fontes, São Paulo, 2012. 
Lucchetti ,Giancarlo. Espiritualidade na prática clínica: o que o clínico deve saber? Rev Bras Clin Med 2010;8(2):154-8
MOREIRA-ALMEIDA, Espiritualidade e Saúde. In: Revista de Psiquiatria Clínica. N. 37, ano 2, 2010, p. 41-42.

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